sexta-feira, setembro 21

Avant trouver la petite boîte rouge (Première Partie)


"Também é verdade o vermelho eufórico no amanhecer e entardecer. No indefinível tempo da morte. É verdade então a cor do fruto proibido e dos disfarces que as ciscunstâncias decidirão."

O vidro ficou ligeiramente embaçado com sua respiração sôfrega, colocou a mão na janela bem perto do quente de seu hálito, como se dessa forma ela pudesse despertar. Por quanto tempo as coisas poderiam permanecer daquele modo? Para Maria não importa, já faz um tempo que não é tempo e faz tanto tempo que Maria perdeu a noção do calendário gregoriano, perdeu até a noção do próprio tempo. O dia estava amanhecendo e a ausência de movimento na rua lhe dizia que era final de semana, talvez domingo, levantando a cabeça ela deu uma última olhada pela janela, sentou-se na cadeira velha de balanço e deixou o dia escorrer por suas mãos, da mesma forma que fazia sempre, olhando em volta, sem conseguir enxergar a mulher decrépita que sentava todos os dias na cadeira velha de balanço. Ela sabia sentir, mesmo sem saber exatamente o que sentia. Sua casa estava empoeirada, cheirando a mofo e cinzeiro, e ela não sentia vontade alguma de colocar as coisas em ordem, era sua vida a própria desordem. A mesa cheia de restos de comida e papéis velhos amassados, o vaso com a planta seca, jornais espalhados pelo chão, fotos de pessoas mortas, roupas sujas e uma caixa vermelha. Engraçado, eu não me lembrava dessa caixa, se bem que, ela deve estar neste lugar a bastante tempo, ou não deve estar? Ela tinha mania de rezar, mas não sabia nenhuma oração, pedia em silêncio que o dia levasse sua dor embora numa manhã nublada e ao despertar ela pudesse se ver sentada na cadeira de balanço segurando um pedaço qualquer de papel e alguma anotação feita na noite anterior com sua letra tortuosa e dessa forma essa sua tortura diária pudesse ter um fim, amém. Mas o dia sempre voltava com sua dor, então ela já não sabia se era ontem ou amanhã, ela apenas sabia que esperaria, sempre, o dia levar embora essa dor que lhe apertava o peito e doía o estômago. Quando uma fresta de sol bateu no cinzeiro, que estava perto da porta, ela pensou que em pouco tempo anoiteceria, pegou um casaco grosso, o maço de cigarros, fósforos e saiu sem trancar as portas. Andando ela tentava recordar o seu passado, entre supostas lembranças e imaginação Maria não conseguia ao certo distinguir o que era parte de sua vida e o que era fruto de sua solidão. Acendeu um cigarro e sua pernas adormeceram, então ela fechou os olhos e jogou o seu corpo para trás e foi caindo, caindo, caindo, caindo num abismo profundo.

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