quarta-feira, setembro 26

O primeiro sopro primaveril.


E vem chegando uma nova estação, os primeiros calores da primavera parecem tão antigos quanto um primeiro sopro. O vento morno e tépido traz as primeiras doçuras do ar, e esse primeiro calor ainda fresco tem o peso suave da espera mais delicada: DESABROCHAR.

Início: 23/09/2007 - 06:51

sexta-feira, setembro 21

Avant trouver la petite boîte rouge (Première Partie)


"Também é verdade o vermelho eufórico no amanhecer e entardecer. No indefinível tempo da morte. É verdade então a cor do fruto proibido e dos disfarces que as ciscunstâncias decidirão."

O vidro ficou ligeiramente embaçado com sua respiração sôfrega, colocou a mão na janela bem perto do quente de seu hálito, como se dessa forma ela pudesse despertar. Por quanto tempo as coisas poderiam permanecer daquele modo? Para Maria não importa, já faz um tempo que não é tempo e faz tanto tempo que Maria perdeu a noção do calendário gregoriano, perdeu até a noção do próprio tempo. O dia estava amanhecendo e a ausência de movimento na rua lhe dizia que era final de semana, talvez domingo, levantando a cabeça ela deu uma última olhada pela janela, sentou-se na cadeira velha de balanço e deixou o dia escorrer por suas mãos, da mesma forma que fazia sempre, olhando em volta, sem conseguir enxergar a mulher decrépita que sentava todos os dias na cadeira velha de balanço. Ela sabia sentir, mesmo sem saber exatamente o que sentia. Sua casa estava empoeirada, cheirando a mofo e cinzeiro, e ela não sentia vontade alguma de colocar as coisas em ordem, era sua vida a própria desordem. A mesa cheia de restos de comida e papéis velhos amassados, o vaso com a planta seca, jornais espalhados pelo chão, fotos de pessoas mortas, roupas sujas e uma caixa vermelha. Engraçado, eu não me lembrava dessa caixa, se bem que, ela deve estar neste lugar a bastante tempo, ou não deve estar? Ela tinha mania de rezar, mas não sabia nenhuma oração, pedia em silêncio que o dia levasse sua dor embora numa manhã nublada e ao despertar ela pudesse se ver sentada na cadeira de balanço segurando um pedaço qualquer de papel e alguma anotação feita na noite anterior com sua letra tortuosa e dessa forma essa sua tortura diária pudesse ter um fim, amém. Mas o dia sempre voltava com sua dor, então ela já não sabia se era ontem ou amanhã, ela apenas sabia que esperaria, sempre, o dia levar embora essa dor que lhe apertava o peito e doía o estômago. Quando uma fresta de sol bateu no cinzeiro, que estava perto da porta, ela pensou que em pouco tempo anoiteceria, pegou um casaco grosso, o maço de cigarros, fósforos e saiu sem trancar as portas. Andando ela tentava recordar o seu passado, entre supostas lembranças e imaginação Maria não conseguia ao certo distinguir o que era parte de sua vida e o que era fruto de sua solidão. Acendeu um cigarro e sua pernas adormeceram, então ela fechou os olhos e jogou o seu corpo para trás e foi caindo, caindo, caindo, caindo num abismo profundo.

terça-feira, setembro 18

La petite boîte bleue (Première Partie)


"É verdade o azul nas coisas dormentes e tristes da vida, nas coisas ausentes, nas coisas perdidas. Também é verdade a cor que o tempo insinua, o azul no espaço infinito do pranto, no eco do grito no vulto de espanto."

Pilar esteve muito ocupada durante a semana, essa noite ela haveria de adormecer sentada numa poltrona lilás com o despertador no colo sem ligar o alarme, adormeceria de cansaço. Sonhou que lavava o rosto devagar, esfregando calmamente cada linha de expressão. Escovou mais uma vez os dentes. Penteou os cabelos fio por fio, num zelo tão indiferente como um processo ritualista do próprio corpo, que ela desconhecia e fazia com tanto prazer que por um momento pensou existir! Sua alma estava trêmula, ela não sabia porque se tocava com tanto amor nem tampouco por quanto tempo. Levantando os olhos pôde se olhar no espelho e levou um susto: o seu reflexo era de uma pessoa desconhecida. Como é que pode não se reconhecer do dia para a noite? E ela não sabia como responder. Acordou com uma sensação estranha, levantou para tomar uma água e foi andando às cegas até o banheiro. Quando chegou na porta não sabia o que queria fazer, então resolveu voltar pelo corredor até a poltrona lilás. No meio do caminho tropeçou em uma caixa enorme. Que diabos essa caixa está fazendo aqui? Ligou a luz no fim do corredor e olhando para aquele embrulho enorme em azul percebeu que não sabia o que era aquela caixa nem o que ela fazia jogada no meio do corredor atrapalhando a passagem para todos os cômodos. Tentou recordar cada passo seu durante a semana, mas Pilar havia feito tantas coisas e estava tão cansada que preferiu deitar em sua cama e finalmente dormir até o dia amanhecer. O despertador não tocou mas ela acordou pontualmente às 6 da manhã, estava mais cansada do que antes, com o corpo dolorido, levantou-se e foi em direção ao banheiro pensando em deitar novamente, dormir mais um pouco e gritar um foda-se bem alto. Esbarrou mais uma vez na caixa enorme com embrulho azul e soltou um berro tão estridente que sentiu o telhado cair sobre sua cabeça, sentou no chão completamente encolhida apertando os olhos, quando voltou a si o teto estava intacto, mas a caixa permanecia ali.

quarta-feira, setembro 12

Desatentar.

O sofá tem lugar para três, a casa pode hospedar várias pessoas. Na noite anterior Fernanda estava ansiosa e contente, Pedro chegaria logo após o coração dela palpitar rápido e forte. A cama tem lugar para dois, a casa é pequena e a tempos não recebe uma visita. Na noite anterior Pedro pensava no amanhã e se apressava para ver Fernanda. Enquanto ele andava lembrou que teria de voltar cedo, pois havia marcado de encontrar Lucas, tomar uma cerveja. Bruna havia terminado um namoro de 2 anos, ela disse que ele não lhe dava atenção, parecia até ter vergonha de sair com ela, Lucas dizia que não, era coisa da cabeça dela - "você fica muito tempo sozinha em casa, acaba pensando besteira" - durante o tempo de namoro, ela sequer conhecia os amigos de Lucas. Chegando na casa de Fernanda, apressado para entrar e falar que teria de ir embora mais cedo, Pedro sequer percebeu o quanto Fernanda estava bonita, ela recebeu ele com vários beijos, e ele sem perceber o quanto Fernanda estava bonita, sentou no sofá com lugar para três e ligou a televisão....

terça-feira, setembro 11

Orbite d'être.

Só havia sol, um brilho intenso que queimava a retina e ofuscava a verdadeira cor de seus olhos. E havia tanta luz que por alguns momentos ela pôde se sentir assim, meio celestial.

- Temos que conversar, Alice.
- Estou cansada! Será que podemos ter um momento de calar, do qual nenhum dos dois se sinta incomodado?
- Creio que podemos, mas temos que conversar.

Alice olhava como as pessoas moviam-se, observava a individualidade de cada corpo com suas pequenas minúcias. Ela tinha o poder de transformar um simples gesto num magnífico momento de ser.

- Engraçado como todos demoram tanto para perceber o que realmente importa.
- O que realmente importa?
- Não é somente o que gira em torno de seu umbigo.
- Então, qual é a verdadeira órbita de ser?

Underwater Love - Smoke City

Howard Schatz - Underwater Study.

This must be underwater love
The way I feel it slipping all over me
This must be underwater love
The way I feel it

O que que é esse amor d'água
Deve sentir muito parecido a esse amor

This is it
Underwater love
It is so deep
So beautifully liquid

Esse amor com paixão, ai
Esse amor com paixão, ai que coisa!

After the rain comes sun
After the sun comes rain again
After the rain comes sun
And after the sun comes rain again

This must be underwater love
The way I feel it slipping all over me
This must be underwater love
The way I feel it

O que que é esse amor d'água
Eu sei que eu não quero mais nada

Follow me now
To a place you only dreamt of
Before I came along

When I first saw you
I was deep in clear blue water
The sun was shining
Calling me to come and see you
I touched your soft skin
And you jumped in with your eyes closed
And a smile upon your face

Você vem, você vai
Você vem é cai
E vem aqui pra cá
Porque eu quero te beijar na sua boca
Que coisa louca
Vem aqui pra cá
Porque eu quero te beijar na sua boca
Ai que boca gostosa

After the rain comes sun
After the sun comes rain again

Cai cai e tudo tudo cai
Tudo cai pra lá e pra cá
Pra lá e pra cá
E vamos nadar
Vamos nadar e tudo tudo dá

This must be underwater love
The way I feel it slipping all over me
This must be underwater love
The way I feel it

Oh oh d'água Underwater
Oh underwater love
This underwater love
This underwater love
Underwater love

terça-feira, setembro 4

Pretérito IMperfeito do Indicativo.

Quando eu penso que está tudo bem, o demônio do meu passado vem me atormentar. Quando eu paro de lembrar de tudo que passou, tenho que fazer um enorme esforço para esquecer. Pra que sair debaixo da montanha que te enterrou?

"Cortar a ligação com o passado - disse ele vagarosamente, como se falasse consigo mesmo -, conseguir apagá-lo, é o mais vil de todos os cortes com a lei do cosmos. É ingratidão, e uma fuga às nossas dívidas. É um suicídio: com esse corte, a pessoa está a aniquilar-se a sí mesma. [...] Eu não cortarei, no momento em que atingi o que, na verdade, sou, as minhas raízes, transformando-me numa sombra, transitando para o nada."

in Novos Contos de Inverno - Karen Blixen

sábado, setembro 1

Labirinto.


Seus olhos serrados buscavam um certo conforto na direção dos pensamentos, diziam que ela não deveria ter medo e que tudo ficaria bem. A luz do sol batia em sua bochecha reluzindo o tom rosado de sua pele. Ela fez menção de falar, mas após abrir a boca para dizer algo, respirou fundo e abaixando a cabeça desistiu. As mãos permaneciam descansando sobre um corte, a calça deveria ter alguns anos de caminhada já que sua cor se mostrava envelhecida e alguns rasgões indicavam isso. Seus olhos perdidos permaneciam olhando na mesma direção, tão longe que se perderam...