quinta-feira, dezembro 21

Quase uma premonição

Quando o encontrei procurei traços conhecidos. E eram todos desconhecidos aos meus olhos. Ele disse nossa como você está diferente. Perguntei diferente como? Ele disse não sei talvez não sei o olhar. Talvez o olhar.

E isso de fato não aconteceu. Isso foi um sonho. Quase uma premonição.

Ontem:

Amanheci pensativa diante da noite anterior em que a escuridão quase se fez presente em mim. O dia se arrastou com uma sensação estranha, mistura de medo e pavor. Meu coração me dizia que algo estava prestes a acontecer mas eu não saberia o que nem sequer se aconteceria algo. Tive vontade de fugir para bem longe, fugir de mim mesma, me perder no meu próprio reflexo. Meus pensamentos estavam confusos. E de repente tão de repente chegando a ser assustador, ele reapareceu. Depois de tanto tempo esquecido na escuridão do meu coração. E chegou tão igual e tão diferente. Sua voz doce e pervesa soando como música clássica aos ouvidos causando arrepios na alma. Aquele cheiro de pele a muito tempo impregnado em mim. E em algum momento ele disse nossa como você está diferente. Perguntei diferente como? Ele disse não sei talvez o olhar.

Estalo.

terça-feira, dezembro 19

Talvez

Quando o encontrei procurei traços conhecidos. E eram todos desconhecidos aos meus olhos. Ele disse nossa como você está diferente. Perguntei diferente como? Ele disse não sei talvez não sei o olhar. Talvez o olhar.

terça-feira, dezembro 12

Caio Fernando Abreu

Extremos da Paixão

"Não, meu bem, não adianta bancar o distante
lá vem o amor nos dilacerar de novo..."

Andei pensando coisas. O que é raro, dirão os irônicos. Ou "o que foi?" - perguntariam os complacentes. Para estes últimos, quem sabe, escrevo. E repito: andei pensando coisas sobre amor, essa palavra sagrada. O que mais me deteve, do que pensei, era assim: a perda do amor é igual à perda da morte. Só que dói mais. Quando morre alguém que você ama, você se dói inteiro(a)- mas a morte é inevitável, portanto normal. Quando você perde alguém que você ama, e esse amor - essa pessoa - continua vivo(a), há então uma morte anormal. O NUNCA MAIS de não ter quem se ama torna-se tão irremediável quanto não ter NUNCA MAIS quem morreu. E dói mais fundo- porque se poderia ter, já que está vivo(a). Mas não se tem, nem se terá, quando o fim do amor é: NEVER.
Pensando nisso, pensei um pouco depois em Boy George: meu-amor-me-abandonou-e-sem-ele-eu-nao-vivo-então-quero-morrer-
-drogado. Lembrei de John Hincley Jr., apaixonado por Jodie Foster, e que escreveu a ela, em 1981: "Se você não me amar, eu matarei o presidente". E deu um tiro em Ronald Regan. A frase de Hincley é a mais significativa frase de amor do século XX. A atitude de Boy George - se não houver algo de publicitário nisso - é a mais linda atitude de amor do século XX. Penso em Werther, de Goethe. E acho lindo.
No século XX não se ama. Ninguém quer ninguém. Amar é out, é babaca, é careta. Embora persistam essas estranhas fronteiras entre paixão e loucura, entre paixão e suicídio. Não compreendo como querer o outro possa tornar-se mais forte do que querer a si próprio. Não compreendo como querer o outro possa pintar como saída de nossa solidão fatal. Mentira: compreendo sim. Mesmo consciente de que nasci sozinho do útero de minha mãe, berrando de pavor para o mundo insano, e que embarcarei sozinho num caixão rumo a sei lá o quê, além do pó. O que ou quem cruzo entre esses dois portos gelados da solidão é mera viagem: véu de maya, ilusão, passatempo. E exigimos o terno do perecível, loucos.

Depois, pensei também em Adèle Hugo, filha de Victor Hugo. A Adèle H. de François Truffaut, vivida por Isabelle Adjani. Adèle apaixonou-se por um homem. Ele não a queria. Ela o seguiu aos Estados Unidos, ao Caribe, escrevendo cartas jamais respondidas, rastejando por amor. Enlouqueceu mendigando a atenção dele. Certo dia, em Barbados, esbarraram na rua. Ele a olhou. Ela, louca de amor por ele, não o reconheceu. Ele havia deixado de ser ele: transformara-se em símbolosem face nem corpo da paixão e da loucura dela. Não era mais ele: ela amava alguém que não existia mais, objetivamente. Existia somente dentro dela. Adèle morreu no hospício, escrevendo cartas (a ele: "É para você, para você que eu escrevo" - dizia Ana C.) numa língua que, até hoje, ninguém conseguiu decifrar.
Andei pensando em Adèle H., em Boy George e em John Hincley Jr. Andei pensando nesses extremos da paixão, quando te amo tanto e tão além do meu ego que - se você não me ama: eu enlouqueço, eu me suicido com heroína ou eu mato o presidente. Me veio um fundo desprezo pela minha/nossa dor mediana, pela minha/nossa rejeição amorosa desempenhando papéis tipo sou-forte-seguro-essa-sou-mais-eu. Que imensa miséria o grande amor - depois do não, depois do fim - reduzir-se a duas ou três frases frias ou sarcásticas. Num bar qualquer, numa esquina da vida.
Ai que dor: que dor sentida e portuguesa de Fernando Pessoa - muito mais sábio -, que nunca caiu nessas ciladas. Pois como já dizia Drummond, "o amor car(o,a,) colega esse não consola nunca de núncaras". E apesar de tudo eu penso sim, eu digo sim, eu quero Sins.

(in Pequenas Epifanias)

quinta-feira, dezembro 7

Ensurdecedor

O coração palpitando cada vez mais forte e rápido como um tamborim ensurdecido. A respiração descompassada e a dúvida de ter desaprendido a respirar. Algo inflava a ponto de explodir e talvez até explodira dentro do seu corpo. Por fora uma imagem distorcida do que acontecia por dentro. Seus olhos choravam um choro sem lágrimas e suas mãos podiam tocar o intocável. Seus desejos gritavam sem exalar nenhum som impulsionando batidas eletrônicas. Era como se pudesse saber o que eu sei e não sabe. E o olho de Hórus permanecia ali...

terça-feira, dezembro 5

Novos estalos


Noemí Tolosa

A sua primeira impressão foi de espanto e surpresa com um toque leve de mistério pairando no ar. O cheiro desigual de qualquer coisa familiar desconhecida. Jasmim e canela. Seus olhos investigavam minuciosamente cada pequeno detalhe. No vidro via o seu próprio reflexo fundo e do outro lado. O vermelho vibrante da parede e uma sensação de euforia. Os esta.los por toda parte. O vento entrando pela varanda fazendo um barulho bem próximo ao de tempestade. Arrepio. Fechou os olhos no escuro sentindo-se redeada por uma sensação estranha do desconhecido. Estalo. Procurou uma fuga dentro e fora se encontrando estática por todos os lados...