sexta-feira, maio 18

É preciso fritar o arroz bastante antes de colocar a água fervendo. E não pode mexer jamais depois de a água ser posta. O alho deve fritar no óleo junto com o arroz. Coisas que eu sei e que não. Eu sei muitas coisas. Faxina, por exemplo. Se limpar uma casa de tal modo que não sobra um canto que não tenha sido tocado por minhas mãos. Depois vou sujando. Com muito gosto,. Deixo peças na sala e louças sujas na pia. Na mesma hora, mas um pouco bastante depois volto limpando. Assim me faço. Nos objetos que me acompanhan. Gosto de andar nas ruas e comprar coisas que vão se arrumando em torno de mim. Eu tenho muitas coisas, quero dizer, muitas camadas. Uma camada de livros, outra de sapatos. Tem a camada de plamtas. E toalhas de rosto. Tenho camada de cosméticos e adereços. Uma camada de nome e coisas que vejo. Tudo ordenado ao meu redor. Em forma de corpo. Um corpo que me sustenta. Quando o meu próprio me falta. Cadeiras são meus ossos. Sapatos são meus braços. Torneiras em meus poros. Paredes como roupa de inverno. (Quando toca música em minha casa sai do umbigo.). Descanso recostada nas paredes da casa que me guardam como um abraço. Me abraço quando me derramo na sala. E na cozinha. Em geral adormelo no quarto. Tudo em minha casa tem existência. Todas as coisas significo. Com os olhos. Ou com as mãos. Minha casa tem silêncios que "as vezes ouço. E faço poemas. Faço poemas dos silêncios que ouço. Ando com mania de lustra-móveis e ceras líquidas. Olho um por um nas prateleiras. Sinto a textura e o cheiro. Espalhando um pouco entre os dedos. Prefiro os de textura fina e que cheiram a jasmin (gosto mais do aroma floral mas a palavra jasmin é tão bonita). Levo todos para casa e vou espalhando. Primeiro o assoalho. Considero todos os cantos. Depois os móveis com as mãos vou tateando. Um por um. Em reverência. Ao que me sustenta quando me desamparo. As casas me sustentam em mim. Por isso as quero em detalhe. Bem cuidadas e cheia de espaços onde novas coisas se deitam. Costumo encontrar tesouros escondidos nas dobras das colchas. E nas louças sujas na pia. Tenho muitas janelas. Que é por onde o sol e a chuva me visitam. O vento aqui também é muito forte. Às vezes derruba tudo e eu gosto. Mas aqui também cabem pessoas. Tem sempre lugar para pessoas em mim.

Viviane Sodré, psicologa, psicanalista e doutora em filosofia. Fragmentos de Desato.

Um comentário:

Luis Gustavo Brito Dias disse...

"Descanso recostada nas paredes da casa que me guardam como um abraço. Me abraço quando me derramo na sala. E na cozinha. Em geral adormeço no quarto. Tudo em minha casa tem existência."

- que maldade, mal chego aqui e você me coloca um texto desses!
muito bom esse fragmento da viviane.


prazer, gustavo apache, se me permite, gostei do lugar fragmentando. =D