terça-feira, janeiro 18

O regresso.


Nem ontem nem amanhã, só existe agora, repetia Maria antes de aproximar-se da porta de mogno envelhecido que vivia destrancada. Olhou atentamente para o cinzeiro imundo, cheio de cinzas e restos de cigarros, que ficava sobre um criado-mudo art nouveau ao lado esquerdo da porta. Não havia sol, hoje não havia sol. Como é possível saber o que fazer quando não existe nada a ser feito nem nenhuma direção? Ela podia sentir seu coração batendo bastante acelerado, seus olhos estavam um pouco mais abertos que de costume e sua mão gelada suava muito. Tomou coragem e deu alguns passos em direção a porta, como se fosse hesitar e retroceder ao ponto inicial, mas continuou indo até conseguir alcançar o maço de cigarros e a caixa de fósforos sobre o criado-mudo. Dando uma última olhada no objeto onde deita-se as cinzas, fechou os olhos e trouxe para perto de seu coração o maço e os fósforos, apertou forte contra o peito e suspirou um ar tenso. Virou seu corpo vagarosamente até estar completamente de costas para a porta e de frente para a janela, caminhou até sua velha cadeira de balanço e sentou-se da mesma maneira que fazia sempre, mas não como deveria ter sido feito. Do ângulo que ela estava era possível ver o movimento da rua, movimento este que não havia, poderia acompanhar os raios de sol entrando por entre sua casa e ver a chegada de seu gato persa, se ele chegasse. O gato sumia sempre e sempre voltava com aquele arzinho de desdém. Maria o achava elegante, embora gordo e velho demais ele tinha uma pelagem sedosa e bonita, mas o que a intrigava mesmo era aquele par de olhos alaranjados. Retirou com os dentes um cigarro do maço e o trouxe próximo as suas narinas, inspirou fundo sentindo o gosto de tabaco forte então começou a vagar por seus pensamentos embalada por sua velha cadeira de balanço. Um dia hei-de ser pó, cinza e mais nada. O dia ia anoitecendo, ia anoitecendo muito cedo, ia escurecendo lá fora e aqui dentro e eu ia dia, ia...

3 comentários:

Fabianny de Alencar disse...

Mais fácil seria não ter memórias do passado nem desejos para o futuro.

Bianca B. disse...

O dia tem escurecido aqui dentro também. Se é que ainda existe resquícios de dia.

Juliana Martins Pereira. disse...

obrigada pelo seu comentário.Estou conhecendo o seu agora e já estou curtindo bastante. " aqui dentro eu ia dia" sensação de solidão,de espera,sem descanso.adorei.