sábado, abril 14

Notas do Subterrâneo


"...Acontece que tenho um terrível amor-próprio. Sou tão desconfiado e suscetível quanto um corcunda ou um anão, mas, realmente, há ocasiões em que, se me derem uma bofetada, isso talvez me rejubile. Falo a sério; eu provavelmente descobriria aí um tipo especial de prazer - evidentemente, o prazer do desespero, pois é o desespero que encerra os mais intensos prazeres, particularmente quando se tem uma aguda consciência da própria situação. Quando somos esbofeteados, a consciência de termos sido feitos em pedaços positivamente nos avassala. O principal é que, pense-se o que se quiser, eu sempre aparecerei como o maior culpado, e o que é mais, culpado sem culpa, ou, ao contrário, segundo as leis da natureza. Em primeiro lugar, porque sou mais inteligente do que todos que me cercam. (Sempre me considerei mais inteligente do que os que me cercam, e às vezes, acreditais, até tive vergonha disso. De qualquer forma, durante toda a vida olhei as pessoas assim de lado, nunca fui capaz de encará-las.) Culpado, finalmente, porque mesmo que eu fosse capaz da magnanimidade, a consciência da inutilidade dessa virtude só serveria para me fazer sofrer mais ainda. De nada me adiantaria certamente a minha magnanimidade: nem sequer me valeria para perdoar, pois o meu ofensor talvez me golpeasse segundo as leis da natureza, e as leis da natureza são inexoráveis; nem, por outro lado, eu poderia esquecer, porque, ainda de acordo com as leis da natureza, tratar-se-ia de uma ofensa. Enfim, mesmo que eu desistisse de ser magnânimo e desejasse, ao contrário, me vingar do meu ofenssor, não poderia vingar-me de nada, nem em ninguém, pois não era capaz de me decidir a fazer coisa alguma, mesmo se tivesse condições de fazê-lo. E porque que não me podia decidir?..."

Fiodor Mikhailovitch Dostoievski - Notas Do Subeterrâneo

Nenhum comentário: